Karina Toledo | Agência FAPESP – Estudo divulgado nesta quinta-feira (06/05) na revista Clinical Infectious Diseases sugere que as pessoas que já tiveram dengue no passado são duas vezes mais propensas a desenvolver sintomas da COVID-19 caso sejam infectadas pelo novo coronavírus.
As conclusões descritas no artigo se baseiam na análise de amostras sanguíneas de 1.285 moradores da cidade de Mâncio Lima, no Acre. O trabalho foi coordenado pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Urbano Ferreira e contou com apoio da FAPESP.
“Nossos resultados evidenciam que as populações mais expostas à dengue, talvez por fatores sociodemográficos, são justamente as que correm mais risco de adoecer caso sejam infectadas pelo SARS-CoV-2. Este é um exemplo do que tem sido chamado de sindemia [interação sinérgica entre duas doenças de modo que uma agrava os efeitos da outra]: por um lado, a COVID-19 tem atrapalhado os esforços de controle da dengue, por outro, esta arbovirose parece aumentar o risco para quem contrai o novo coronavírus”, diz Ferreira à Agência FAPESP.
O professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP tem realizado estudos no município de Mâncio Lima há sete anos com o objetivo de combater a malária. Em 2018, deu início a um projeto que prevê a realização de inquéritos domiciliares a cada seis meses, abrangendo 20% da população local. Durante as visitas, são aplicados questionários e coletadas amostras de sangue. No início de 2020, o projeto recebeu um aditivo da FAPESP para que parte dos esforços de pesquisa fosse direcionada ao monitoramento e à caracterização do SARS-CoV-2 na região.
“Em setembro do ano passado foi divulgado um estudo de outro grupo sugerindo que as áreas que registravam muitos casos de dengue eram relativamente pouco afetadas pela COVID-19. Como nós tínhamos amostras de sangue da população de Mâncio Lima coletadas antes e após a primeira onda da pandemia, decidimos usar o material para testar a hipótese de que a infecção prévia pelo vírus da dengue conferia algum tipo de proteção contra o SARS-CoV-2. Mas o que vimos foi exatamente o oposto”, relata Ferreira.
Metodologia
Foram incluídas nas análises amostras de sangue coletadas em dois momentos: novembro de 2019 e novembro de 2020. O material foi submetido a testes capazes de detectar anticorpos contra os quatro sorotipos da dengue e também contra o SARS-CoV-2.
Os resultados mostraram que 37% da população avaliada já havia contraído dengue até novembro de 2019 e 35% haviam sido infectados pelo novo coronavírus até novembro de 2020. Também foram analisadas as informações clínicas (sintomas e desfecho) dos voluntários diagnosticados com a COVID-19.
“Por meio de análises estatísticas, concluímos que a infecção prévia pelo vírus da dengue não altera o risco de um indivíduo ser contaminado pelo SARS-CoV-2. Por outro lado, ficou claro que quem teve dengue no passado apresentou mais chance de ter sintomas uma vez infectado pelo novo coronavírus”, explica Vanessa Nicolete, pós-doutoranda no ICB-USP e primeira autora do artigo.
Os pesquisadores não sabem precisar as causas do fenômeno descrito no artigo. É possível que exista uma base biológica – os anticorpos contra o vírus da dengue estariam favorecendo de algum modo o agravamento da COVID-19 – ou seja simplesmente uma questão sociodemográfica, relacionada com a existência de populações mais vulneráveis às duas doenças por características diversas.
“Os resultados evidenciam a importância de reforçar tanto as medidas de distanciamento social voltadas a conter a disseminação do SARS-CoV-2 como os esforços para controle do vetor da dengue, pois há duas epidemias ocorrendo ao mesmo tempo e afetando a mesma população vulnerável. Isso deveria ganhar mais atenção por parte do governo federal”, avalia Ferreira.
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