TECNOLOGIA

Vida de empreendedor: “começar, cair, renovar, recomeçar”

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Ao ler os planos de negócio de amigos que querem empreender, o engenheiro eletricista e empresário Rafael Holzhacker em geral elogia e depois alerta: “Esteja preparado porque nada vai acontecer como planejado. O que você quer fazer provavelmente vai custar o dobro e demorar três vezes mais”. Diretor da Timpel, fabricante de instrumentos médicos, Holzhacker sabe do que está falando. Embora pouco comentados, os imprevistos são constantes na vida dos inovadores – ansiedade da equipe, falta de dinheiro ou de material, dificuldade de importação de componentes ou trabalho extra para ajustar os pedidos de patentes e de aprovação de órgãos públicos.

Pesquisa FAPESP tem apresentado experiências bem-sucedidas de empresas apoiadas pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), como, entre as mais recentes, o ventilador pulmonar da Magnamed (ver Pesquisa FAPESP nos 259 e 291) e o monitor de pressão intracraniana da brain4care (ver Pesquisa FAPESP nos 221 e 280). Dessa vez, em busca das dificuldades do desenvolvimento das inovações propostas, selecionou 35 projetos de produtos médicos apoiados pela FAPESP por meio de projetos da linha regular de auxílio à pesquisa ou do Pipe, desenvolvidos no estado de São Paulo e noticiados na revista desde 1999, quando o programa foi lançado. Dezesseis coordenadores (alguns responsáveis por mais de um trabalho) retornaram a consulta feita por e-mail. A revista não conseguiu falar com os demais responsáveis – não responderam às mensagens ou os dados de contato estavam desatualizados.

Pequenas empresas que surgiram a partir de inovações, quando enfrentam grandes percalços, frequentemente não sobrevivem por ainda não terem conseguido se estruturar completamente. Em organizações maiores, as dificuldades enfrentadas no desenvolvimento tecnológico podem ser absorvidas sem colocar em risco a existência da empresa.  Os percursos das inovações que puderam ser reconstituídos aqui exemplificam dificuldades e impasses do planejamento, na formação das equipes ou no desenvolvimento comercial, que desfazem os sonhos e roubam o sono de pesquisadores. Por outro lado, os obstáculos, ao serem enfrentados, revelam a capacidade dos inovadores de mudar as rotas iniciais, criar estratégias para conquistar seus clientes e recomeçar, muitas vezes com sucesso.

Um erro comum: focar no desenvolvimento do produto e demorar para buscar o encaixe com o mercado

“Ter um protótipo ótimo é uma pequena parte do desenvolvimento de um produto”, afirma Holzhacker. Depois, será preciso ampliar a escala de produção, ter acesso a investidores, conseguir as aprovações dos órgãos governamentais, conquistar os clientes para, enfim, vender o produto. Ele compara o trabalho a um videogame, em que cada fase é mais difícil e exige mais habilidades que a anterior. A empresa recebeu apoio do Pipe para três projetos desde 2015, o mais recente no ano passado para adaptar seu tomógrafo por impedância elétrica a ser usado no tratamento de pacientes com Covid-19 em estado grave sob ventilação artificial (ver Pesquisa FAPESP n° 291).

Na incubadora de empresas do Supera Parque de Inovação e Tecnologia, de que foi presidente até 2020, o físico Adilton Carneiro, coordenador do grupo de inovação em instrumentação médica e ultrassom da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, observou que empresas formadas apenas por um único tipo de profissional – engenheiros, por exemplo – já nascem frágeis. “É muito importante que as equipes contem com especialistas em administração e em assuntos jurídicos para minimizar erros e acelerar o desenvolvimento dos novos negócios”, sugere.

O engenheiro biomédico Aron Andrade, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, observou que os atrasos na área médica são comuns, por causa das exigências éticas, científicas e legais para a realização de experimentos. Ele trabalha desde 2007 no desenvolvimento de uma versão nacional de coração artificial implantável. Com colegas da Escola Politécnica da USP, fez o protótipo, que apresentou resultados satisfatórios em 24 bezerros, cujo coração é do tamanho aproximado ao humano, e foi aprovado para testes em pessoas. Deveria ter sido implantado em pacientes com insuficiência cardíaca em 2011 (ver Pesquisa FAPESP n° 185), mas o trabalho não avançou como esperado.

Léo Ramos Chaves Inovações da área médica: manequim para treinamento…Léo Ramos Chaves

“Os pacientes candidatos ao implante passam por um tratamento médico preliminar. Se melhoram, deixam de ser candidatos ao implante. Se pioram, também, porque entram em outros tratamentos”, comenta Andrade. “Ainda não resolvemos o impasse sobre o momento adequado de fazer o implante em pessoas.” Segundo ele, um caminho em avaliação no momento é o implante de pequenas bombas centrífugas, cujo procedimento cirúrgico é mais simples que a de um coração artificial inteiro. Capaz de bombear sangue do ventrículo esquerdo do coração para a artéria aorta, o dispositivo já foi colocado em três animais, também com bons resultados, e a princípio poderia beneficiar pacientes com alguns tipos de problemas cardíacos.

Mudança de planos

“Sei que as projeções iniciais raramente se cumprirão, mas com elas pelo menos temos um norte”, reconhece o biólogo Marcos Tadeu dos Santos, fundador da Onkos, de Ribeirão Preto, instalada desde 2018 em um espaço próprio, após três anos no parque tecnológico da cidade. Em 2017, ele licenciou os direitos exclusivos de uso de seu primeiro produto, um método de identificação da origem primária de tumores metastáticos, para uma grande rede de exames laboratoriais, mas ficou insatisfeito porque não poderia alcançar a visibilidade que gostaria para conquistar novos clientes e promover os produtos seguintes. “Para a empresa que licenciou nosso teste, era um a mais entre centenas de outros”, avalia.

A insatisfação motivou uma mudança de estratégia de negócios. Em março de 2018, como planejava, Santos lançou outro teste, para diagnóstico de nódulos de tireoide, por meio da análise de microRNAs (ver Pesquisa FAPESP nos 264 e 275). Dessa vez, porém, sua própria equipe fará os exames para os laboratórios, a partir de amostras de biópsias enviadas por correio.

Miguel Boyayan …broca odontológica da Clorovale…Miguel Boyayan

“Passo boa parte do dia conversando com médicos, discutindo os resultados dos exames, para ver quando as cirurgias são realmente necessárias ou quando poderiam ser evitadas”, comenta. “Meu desafio agora é convencer as operadoras de saúde a cobrirem os custos do teste, que poderia evitar cirurgias, muito mais caras, com reposição hormonal nos anos seguintes.” A mudança também ajudou a clarear os planos: “Quero ter poucos produtos de alto valor agregado, para grandes mercados, a serem atendidos por equipes especializadas”.

Também em Ribeirão Preto, o físico-médico Felipe Grillo, da Gphantom, teve uma decepção e depois uma surpresa boa, que lhe abriu novos caminhos. Em 2017, no início do surto de zika no Brasil, ele acelerou o trabalho em um manequim para profissionais da área médica treinarem a amniocentese. O exame começa com a retirada de líquido amniótico por meio de uma agulha na barriga de mulheres grávidas e revela se o feto está infectado pelo vírus zika, entre outros possíveis de serem rastreados. O surto passou, muitos ambulatórios de exame de grávidas fecharam e o manequim ainda não está concluído – uma das razões é a dificuldade em encontrar peças para montá-lo.

Ao vender seu primeiro simulador, para identificação de tumores ou cistos de mama, Grillo notou que o interesse dos clientes era grande, na verdade por um produto de desenvolvimento mais recente, para treinar a aplicação de anestesia. A situação o levou a concluir que “temos de ver o que o mercado precisa, não só o que queremos vender”. A participação em feiras médicas lhe permitiu conhecer um exportador, com quem assinou um contrato em 2019, com a assessoria jurídica da Supera, que começou a vender seus manequins para treinamento médico na França.

Eduardo Cesar …e aparelho de terapia fotodinâmica contra câncer de um grupo da USP de São CarlosEduardo Cesar

Seus manequins simuladores foram usados no planejamento da bem-sucedida cirurgia de separação de duas irmãs gêmeas siamesas em 2019 no hospital da USP de Ribeirão Preto, o que lhe trouxe visibilidade e reconhecimento (ver Pesquisa FAPESP nos 247 e 276). Hoje, outras empresas passaram a encomendar protótipos de manequins para usos específicos em treinamento médico.

Em 2020, o físico Andrey Soares, atualmente em estágio de pós-doutorado na Embrapa Instrumentação, em São Carlos, interior paulista, mesmo sem ter ainda uma empresa própria, começou a receber encomendas de projetos de dispositivos eletrônicos – os biossensores – para identificação de microrganismos em processos industriais. O interesse de quem o procurou decorreu da sua visibilidade em um projeto anterior, para detecção de tumores de pâncreas (ver Pesquisa FAPESP n° 242). Resultado de seu doutorado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, esse trabalho não avançou como ele gostaria. “A prova de conceito deu certo, mas estamos com dificuldades para aprovar o projeto na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, relata.

O físico Osvaldo Novais de Oliveira Junior, do IFSC-USP, que orientou o doutorado de Soares, conta que para fazer os pedidos de certificação de um diagnóstico para a Anvisa eles precisariam ter vários protótipos à mão. “Teríamos também de testar a reprodutibilidade e a durabilidade dos dispositivos. É um trabalho extremamente caro”, comenta. Segundo ele, só faria sentido avançar nessa direção se houvesse uma empresa interessada em produzir os testes diagnósticos.

Léo Ramos Chaves Mais inovações: eletrodo de dispositivo para detecção de antígenos da USP de São Carlos…Léo Ramos Chaves

O engenheiro de materiais Valtencir Zucolotto, do IFSC-USP, enfrenta um problema similar com um biossensor para diagnóstico de dengue e zika que detecta o vírus causador de uma ou de outra doença por meio da variação de sinal elétrico (ver Pesquisa FAPESP n° 258). “Estamos finalizando os protótipos e o próximo passo é apresentar a empresas interessadas em continuar o trabalho”, diz ele. Sua equipe faz biossensores para uma empresa multinacional que devem depois ser produzidos em maior escala. “Quando a empresa participa desde o início, as chances de comercialização são maiores”, observa Zucolotto.

Segundo o engenheiro de produção Eduardo Zancul, da Escola Politécnica da USP e membro da Coordenação Adjunta para Inovação da Diretoria Científica da FAPESP, um problema comum é os empreendedores focarem no desenvolvimento do produto e demorarem para buscar o encaixe com o mercado. “Quando veem que o mercado não quer o que eles fizeram, têm de mudar o direcionamento a partir do entendimento das reais necessidades dos clientes.”

Quem parte de uma demanda real aparentemente tem mais chances de sucesso. Em um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, o grupo de óptica do IFSC-USP era procurado frequentemente por pessoas com dor e limitação de movimento nos membros. Todos queriam utilizar um dispositivo de terapia fotodinâmica, que reúne laser e ultrassom em um único aparelho e alivia as dores da artrite. Motivada, a equipe coordenada pelo físico Vanderlei Bagnato aperfeiçoou um equipamento que foi aprovado na Anvisa, ganhou o nome de Recupero e está sendo produzido e vendido pela MM Optics, também de São Carlos.

Não há demérito nenhum em começar com o simples, afirma Nakagawa

Houve imprevistos, claro. Vários protótipos tiveram de ser montados e testados em modelos animais e depois em mulheres idosas com osteoartrite nas mãos e nos joelhos. A terapeuta ocupacional Alessandra Rossi Paolillo, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), acompanhou os testes e sabia que a adesão das voluntárias era importante. Um dia uma das participantes não apareceu nas avaliações. Paolillo ligou para a mulher, que naquele dia não teria como sair. “Não tive dúvida, peguei meu carro e fui buscá-la em casa”, contou a pesquisadora.

Também há resistências. “Quando comecei a pesquisar com meu grupo em terapia fotodinâmica, nos anos 1990, os médicos da Sociedade Brasileira de Cancerologia me criticavam ferozmente”, recorda Bagnato. “Uma vez uma médica me disse ‘não podemos brincar de Frankenstein’. Ela não sabia que esse tipo de tratamento já era usado contra câncer de esôfago nos Estados Unidos.” Ele se orgulha de ter ajudado a lançar cerca de 40 produtos já no mercado a partir das pesquisas de seu laboratório (ver Pesquisa FAPESP nos 74, 94, 139, 160, 299). “Mas ainda digo todos os dias para minha equipe: para ter sucesso, tem de saber administrar o fracasso.”

Primeiro, o mais simples

“Os empreendedores inovadores têm de ter flexibilidade e oferecer o que o mercado quer comprar”, reitera o administrador de empresa Marcelo Nakagawa, do Instituto de Ensino Superior e Pesquisas (Insper), reforçando a conclusão de Felipe Grillo, da Gphantom. Autor de Empreendedorismo: Elabore seu plano de negócio e faça a diferença (Senac, 2013), Nakagawa é membro da coordenação do Pipe Empreendedor – Programa de Treinamento em Empreendedorismo de Alta Tecnologia.

Léo Ramos Chaves …ventilador pulmonar da Magnamed…Léo Ramos Chaves

Criado em 2016 pela FAPESP em parceria com a Universidade George Washington, dos Estados Unidos, o Pipe Empreendedor recebeu 336 pesquisadores com projetos apoiados pelo Pipe. Já na 16ª turma, o programa oferece um treinamento de sete semanas, nas quais os participantes têm de ouvir potenciais clientes, para aferir a consistência de seus planos de negócio, e recebem mentoria de empresários experientes que os ajudam a depurar seus planos. “Não há demérito nenhum em começar com o simples”, afirma Nakagawa.

Essa abordagem ajudou no percurso de Holzhacker, da Timpel. Há quatro anos, ele começou a vender um modelo simples de um tomógrafo por impedância elétrica (ver Pesquisa FAPESP n° 259). Seu objetivo era ganhar mercado e fôlego para amadurecer versões mais sofisticadas. Os aparelhos mais refinados, porém, exigem mais trabalho e tempo até ficarem prontos, por causa principalmente da aprovação dos organismos regulatórios nacionais e internacionais.

“Desenvolvemos e fabricamos os equipamentos de acordo com normas internacionais, mas sempre há interpretações e questionamentos”, diz. No final de fevereiro, ele havia participado de mais uma videoconferência com equipes da agência de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos, a FDA. “Foram 11 médicos e especialistas em riscos que fizeram perguntas difíceis de responder e pediram mais análises para demonstrar a efetividade de uma nova funcionalidade que queremos aprovar lá.” Holzhacker exporta quase toda sua produção.

Timpel …e tomógrafo da TimpelTimpel

Ampliar o mercado externo é um dos desafios atuais dos três sócios da Phelcom – os três físicos, ex-alunos do IFSC-USP, que se dedicaram a áreas diferentes da empresa, produção, negócios e pesquisa. Com apoio da FAPESP, da Samsung, do Hospital Israelita Albert Einstein e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), eles desenvolveram e lançaram há dois anos o Eyer, versão portátil do retinógrafo, aparelho que registra imagens da retina (ver Pesquisa FAPESP n° 249).

“As dificuldades mudam ao longo do tempo”, relata Flavio Pascoal Vieira, diretor de operações da empresa. “Inicialmente o desafio era tecnológico: vai funcionar? Depois foi de financiamento: vou ter dinheiro para fazer tudo o que estou propondo? Em seguida o de mercado: os clientes vão comprar o meu produto? E de fabricação: conseguirei produzir com qualidade tudo o que eu vendi?”, resume ele. Também havia dúvidas sobre os recursos humanos, em como formar e manter um time motivado, produtivo e inovador. Mais recentemente a preocupação é com a segurança operacional, sobre como se preparar caso algum elo dessa corrente produtiva falhe. Como diz Nakagawa, “empreender é uma estrada cheia de curvas”.

Quem mudou o rumo…
Projetos interrompidos podem ser úteis em outras aplicações

Um equipamento totalmente nacional chamado susceptômetro, que mede os níveis de ferro no fígado de pessoas hospitalizadas por meio da intensidade do campo magnético emitida por esse elemento químico, começou a ser desenvolvido em 1998 e mostrou-se tecnicamente viável. O protótipo funcionou durante 15 anos no Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto (ver Pesquisa FAPESP n° 90). Em 2014, foi desativado.

Uma das razões é que o aparelho não se mostrou economicamente viável, já que o pequeno número de pacientes em que poderia ser usado não justificava os custos de produção. A outra é que o invento se mostrou dispensável, porque a mesma equipe que o construiu programou os aparelhos de ressonância magnética nuclear já instalados no hospital para também lerem o teor de ferro hepático, com uma precisão equivalente.

Eduardo Cesar Topógrafo de córnea da Eyetec (detalhe)Eduardo Cesar

“O susceptômetro foi útil para criar outra aplicação para o aparelho de ressonância, para formar empreendedores e para outras pesquisas”, comenta o físico Adilton Carneiro, da USP de Ribeirão Preto, que desenvolveu o equipamento durante seu doutorado, orientado por Oswaldo Baffa. Segundo Carneiro, dessas experiências nasceram duas empresas, a Figlabs, adquirida pelo grupo Gnatus, e a Gphantom, instalada na incubadora Supera.

Carneiro, por sua vez, trabalha em novas tecnologias, dessa vez reunindo técnicas magnéticas e ultrassom, para identificar tumores e ampliar a ação de medicamentos, como detalhado em um artigo publicado em janeiro de 2021 na revista científica IEEE Transaction on Biomedical Engineering. Os testes em camundongos começaram no ano passado.

Eduardo Cesar Topógrafo de córnea da Eyetec (visão geral): para auxiliar cirurgias oftalmológicasEduardo Cesar

Topógrafo ocular

Em 2004, diante da alta carga de trabalho como professora recém-contratada na Escola de Engenharia de São Carlos da USP, a física Liliane Ventura decidiu parar o desenvolvimento do ceratômetro, um aparelho que mede a curvatura da córnea e poderia ajudar nos testes de uso de lentes de contato (ver Pesquisa FAPESP n° 107). Segundo ela, o trabalho não se perdeu, porque partes do desenvolvimento do software do equipamento serviram de base para outros produtos de empresas nacionais. Um de seus colegas, Jean-Jacques de Groote, que trabalhava com ela no projeto, foi contratado na Eyetec para desenvolver o programa de um aparelho similar, o topógrafo de córnea (ver Pesquisa FAPESP n° 114).

A Eyetec guarda a memória de projetos interrompidos por causa de resultados insatisfatórios, como o do topógrafo ocular intracirúrgico. “A ideia era muito boa, mas o protótipo não era muito prático e não sentimos que valeria a pena investir na produção desse produto, pois não vimos que ele teria um grande mercado”, comenta Sílvio Antonio Tonissi Junior, diretor da empresa. “O aparelho funcionava bem, mas era necessário esperar muito tempo para fazer o processamento da imagem e calcular o mapa topográfico, quando o médico precisa ter o resultado quase em tempo real.” Outro inconveniente é que o instrumento, pouco compacto, precisava ser colocado entre o olho do paciente e o microscópio, às vezes atrapalhando os movimentos do cirurgião. “Apesar de não ter vingado, muitas partes desse projeto foram aproveitadas e ajudaram na melhoria do topógrafo de córnea, um dos produtos principais da empresa até hoje”, afirma Tonissi.

…e quem recomeçou

Iniciativas de negócio que parecem equivocadas devem ser percebidas e corrigidas a tempo

Em 2003, a Clorovale começou a vender e, pouco tempo depois, a exportar pontas com diamante sintético para aparelhos odontológicos de ultrassom (ver Pesquisa FAPESP nos 78 e 192). O físico Vladimir Airoldi, um dos fundadores da empresa criada em 1997, conta que para continuar crescendo e conquistar novos mercados precisavam de investidores externos, já que as reservas financeiras eram escassas.

A conversa com os primeiros interessados do exterior que os procuraram não evoluiu. “Eles insistiam para vendermos a tecnologia de produção, que queriam mandar para a matriz, no exterior”, conta Airoldi. “O fato de a FAPESP ser coautora da patente contribuiu para que o negócio não avançasse.”

O problema ocorreu com outro investidor, em 2011. “Por inexperiência dos gestores e falta de apoio jurídico”, ele relata, “não tínhamos noção dos efeitos do contrato que assinamos”. Como decorrência, assumiu um diretor administrativo indicado pelos investidores e pago pela empresa que mudou o rumo do negócio ao deixar de lado a área médica e priorizar a petrolífera, com brocas para perfuração de petróleo, que foram desenvolvidas, testadas e aprovadas. Cinco anos depois, apesar de alguns protótipos terem sido vendidos, o plano não se sustentou.

Em 2016, Airoldi e seus sócios dispensaram os investidores e as diretorias, reestruturaram a empresa e resgataram o trabalho na área médico-odontológica. “Estamos recolocando a empresa nos eixos. Em 2017 dobramos o faturamento. Em 2018, dobramos de novo e em 2019 praticamente dobramos outra vez”, comemora.

As mudanças mais recentes incluem a troca da diretoria comercial, a criação de um departamento de marketing, a ampliação da linha de produtos e a associação com um escritório de advocacia para auxiliar nos contratos e na gestão da equipe, atualmente com 35 funcionários. “Estamos abertos para avaliar investimentos externos, mas agora sabemos para onde vamos e como fazer”, conclui.

Eduardo Cesar Hemoglobinômetro da Exa-m: para identificar e combater a anemiaEduardo Cesar

Inovação contra anemia
“Não basta um bom protótipo nem bons testes de campo para as portas se abrirem”, afirma o pediatra Mario Bracco. De 2007 a 2009, ele coordenou um projeto apoiado pela FAPESP e pelo Ministério da Saúde para avaliar as possibilidades de uso no sistema público de saúde de um medidor automático portátil de hemoglobina. Capaz de dar o resultado em poucos minutos, a partir de uma gota de sangue, o aparelho chamado hemoglobinômetro tinha sido desenvolvido pela empresa Exa-m, ligada à incubadora da Universidade de Mogi das Cruzes (ver Pesquisa FAPESP n° 151).

Em um dos testes, a equipe de pesquisa, com médicos, enfermeiros e nutricionistas, detectou anemia em cerca de 25% entre as 667 crianças de escolas públicas de Ilhabela, no litoral paulista, e em outras 219 de Santa Luzia do Itanhy, em Sergipe. O tratamento de três meses com a ingestão de sulfato ferroso eliminou o problema em 76% delas, como descrito em um artigo publicado em fevereiro de 2011 no Jornal de Pediatria e dois meses depois no BIS – Boletim do Instituto de Saúde. Em outro teste, os pesquisadores reduziram a prevalência de anemia de 54% para 28% entre 3 mil crianças, adolescentes e adultos de comunidades ribeirinhas da ilha do Marajó, no Pará, e em Macapá, no Amapá.

Os coordenadores do projeto receberam um prêmio em 2012, de cuja entrega o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, participou. Mesmo assim, as conversas com autoridades da saúde para propor o aparelho como parte de uma ação de política pública não avançaram. “A anemia é um problema sério, que prejudica a aprendizagem das crianças e a produtividade dos adultos”, argumenta Bracco. “Ter um equipamento à mão facilita muito a vida do médico, que pode detectar o problema durante a consulta e já começar o tratamento”, reforça o farmacêutico-bioquímico Jair Ribeiro Chagas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos fundadores da Exa-m, com o físico Paulo Alberto Paes Gomes, atualmente na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e o veterinário Maurício de Oliveira.

A empresa vendeu apenas 50 equipamentos, não conseguiu abrir outros mercados e por fim se desfez em 2017. “Os investidores com quem conversamos não entendiam as exigências técnicas do setor da saúde e esperavam resultados rápidos”, comenta Chagas. Em 2020 ele se animou novamente e se associou a outros três empresários experientes para buscar investidores e retomar o projeto de fabricação do medidor de hemoglobina. “Queremos refazer o aparelho, que poderia ser do tamanho de um celular”, planeja Chagas.

Projetos
1. Ventilador pulmonar eletrônico de transporte de emergência (nº 09/52278-7); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Wataru Ueda (Magnamed); Investimento R$ 135.576,27.
2. Ventilador pulmonar eletrônico neonatal com ventilação de alta frequência (nº 09/52357-4); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Toru Miyagi Kinjo (Magnamed); Investimento R$ 71.643,27.
3. Aquisição de sinal com alta resolução e processamento paralelo para reconstrução de imagens em tomografia por impedância elétrica (nº 13/50775-9); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Convênio Finep Pipe/Pappe Subvenção; Pesquisador responsável Rafael Holzhacker (Timpel); Investimento R$ 245.475,00.
4. Desenvolvimento de sensor indutivo minimamente invasivo para monitorar a pressão intracraniana (nº 14/50618-3); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Sérgio Mascarenhas Oliveira (Braincare); Investimento R$ 913.895,75.
5. Sistema Braincare de aquisição, armazenamento e análise dedados para a saúde (nº 16/01990-2); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Deusdedit Lineu Spavieri Júnior (Braincare); Investimento R$ 737.309,60.
6. Análise de viabilidade técnica-comercial de simuladores sintéticos do tecido biológico para treinamento em procedimentos médicos guiados por ultrassom (nº 2014/50414-9); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Felipe Grillo (Gphantom); Investimento R$ 100.875,00.
7. Simuladores sintéticos do tecido biológico para treinamento em procedimentos médicos guiados por ultrassom: Amniocentese (nº 17/50185-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Felipe Wilker Grillo (Gphantom); Investimento R$ 330.513,11.
8. Sistemas propulsores eletromagnéticos implantáveis para dispositivos de assistência circulatória sanguínea uni e biventricular ou coração artificial (n° 06/58773-1); Modalidade Projeto Temático; Coordenador José Roberto Cardoso (USP); Investimento R$ 1.185.540,09 e US$ 281.960,21.
9. Classificação molecular de nódulos tireoidianos indeterminados através de microRNA profiling (nº 15/07590-3); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Marcos Tadeu dos Santos (Onkos); Investimento R$ 108.781,17.
10. Filmes nanoestruturados de materiais de interesse biológico (nº 2013/14262-7); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Osvaldo Novais de Oliveira Junior (USP); Investimento R$ 2.539.907,03.
11. Estudo da interação entre materiais nanoestruturados e sistemas biológicos: Aplicações ao estudo de nanotoxicidade e desenvolvimento de sensores para diagnóstico (nº 08/08639-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Valtencir Zucolotto (IFSC-USP); Investimento R$ 368.230,90.
12. CePOF-Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (nº 13/07276-1); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Vanderlei Salvador Bagnato (USP); Investimento R$ 44.106.793,11.
13. Equipamento portátil para diagnóstico em retina controlado por smartphone (nº 2016/00985-5); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Flavio Pascoal Vieira (Phelcom); Investimento R$ 225.351,29 e US$ 29.389,58.
14. Sistema de medidas automáticas de raios de curvatura da córnea em Lâmpada de Fenda – ceratômetro automático em Lâmpada de Fenda (nº 00/13218-4); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenadora Liliane Ventura Schiabel – USP/Calmed; Investimento R$ 215.878,00.
15. Desenvolvimento de um equipamento para a determinação de aberrações oculares utilizando a medida de wavefront (nº 00/06810-4); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Jarbas Caiado de Castro Neto – Eyetec; Investimento R$ 325.750,00 e US$ 12.250,00.
16. Desenvolvimento de Dispositivos em Diamante-CVD para Aplicações de Curto Prazo (nº 97/07227-6); Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenadora Kiyoe Umeda – Clorovale; Investimento R$ 135.333,50 e US$ 76.485,00
17. Novos materiais, estudos e aplicações inovadoras em diamante-CVD e Diamond-Like Carbon (DLC) (nº 2001/11619-4) (2002-2007); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Vladimir Jesus Trava Airoldi – Inpe/Clorovale; Investimento R$ 576.456,12
18. Diamante-CVD para um novo conceito de ferramentas de alto desempenho para perfuração e corte (nº 2006/60821-4) (2007-2010); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Leônidas Lopes de Melo – Clorovale; Investimento R$ 550.661,41
19. Filmes de DLC para aplicações em superfícies antibacterianas, antiatrito, espaciais, industriais e para tubos de perfuração de poços de petróleo (nº 2006/60822-0) (2007-2010); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Alessandra Venâncio Diniz – Clorovale; Investimento R$ 505.917,65
20. Equipamentos de ultrassom para cirurgia óssea com pontas de diamante CVD (nº 13/50791-4); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável João Henrique do Prado (Clorovale); Investimento R$ 1.121.524,8.
21. Avaliação da tecnologia empregada no homoglobinômetro HB-010 e possibilidade de aplicação pelo Sistema Único de Saúde convênio FAPESP-CNPq-SUS (nº 06/61907-0); Modalidade Programa Pesquisa para o SUS – Políticas Públicas; Coordenador Mário Bracco (Cruz de Malta); Investimento R$ 178.185,00.
22. Fluorímetro simplificado para medição da atividade da enzima conversora de angiotensina (ECA) em fluidos biológicos (nº 04/14274-6); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe); Coordenador Paulo Paes Gomes – Sépia; Investimento R$ 326.778,35 (FAPESP)
23. Solicitação de auxílio para registro de patente para o hemoglobinômetro portátil HB-010 e método associado (nº 06/61239-7); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Industrial; Coordenador Paulo Paes Gomes (Sépia); Investimento R$ 6.000,00
24. Filmes nanoestruturados aplicados em biossensores microfluídicos para detecção de mastite bacteriana (nº 18/18953-8); Modalidade Bolsa de pós-doutorado; Pesquisador responsável Luiz Henrique Capparelli Mattoso; Bolsista Andrey Coatrini Soares; Investimento R$ 305.246,34.

Artigos científicos
HADADIAN, Y. et al. A novel theranostic platform: Integration of magnetomotive and thermal ultrasound imaging with magnetic hyperthermia. IEEE Transaction on Biomedical Engineering. v. 68, n. 1, p. 68-77. jan. 2021.
COSTA, Juliana T. et al. Prevalência de anemia em pré-escolares e resposta ao tratamento com suplementação de ferro. Jornal de Pediatria. v. 87, n. 1, p. 76-9. fev. 2011.
BRACCO, M. M. et al. Avaliação da tecnologia empregada no Hemoglobinômetro Hb-010 (Agabê®) e a possibilidade de aplicação no Sistema Único de Saúde. BIS – Boletim do Instituto de Saúde. v. 13, n. 1, p. 46-52. abr. 2011.

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