Um novo estudo publicado na revista iScience apresenta detalhes sobre a anatomia da Corumbella, um dos animais fósseis mais antigos já estudados. A Corumbella é um animal marinho que viveu no período Ediacarano, entre 635 milhões e 541 milhões de anos atrás, e levou a vida no oceano onde hoje está localizada a cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. O primeiro exemplar foi encontrado na região nos anos 1970.
Com uma estrutura catafractária, semelhante às armaduras usadas por cavaleiros da Antiguidade e da Idade Média, a Corumbella tinha uma carapaça articulada e composta por placas que se sobrepunham, permitindo que se protegesse de predadores e se alimentasse de partículas suspensas na água, algo ainda não registrado na época em que ela viveu.
O estudo contou com a participação de pesquisadores do Brasil, da Escócia e da Alemanha e foi apoiado pela FAPESP. Os resultados trazem uma nova compreensão sobre a evolução dos animais. Os pesquisadores descobriram que a Corumbella pode ter sido um dos primeiros animais modernos e que viveu na presença de predadores e de cadeias alimentares parecidas com as que conhecemos hoje.
Até pouco tempo, os estudos mostravam que animais com essas características surgiram quase 30 milhões de anos depois, no evento que se popularizou como a “explosão do Cambriano”. No final do período Ediacarano, foram encontradas apenas partes desarticuladas de animais catafractários.
O estudo publicado agora se soma a outras evidências de que, ainda nesse período, houve o surgimento da predação, de animais visíveis a olho nu que se locomoviam (possíveis predadores da Corumbella, por exemplo) e de esqueletos com componentes biomineralizados e resistentes.
Os resultados também mostram que o esqueleto da Corumbella era feito de aragonita e provinha do próprio animal, ou seja, não se precipitou depois, no processo de fossilização. Além disso, havia uma orientação preferencial da formação do esqueleto, o que é uma evidência de que existia um controle biológico da mineralização.
A pesquisadora Mírian Liza Alves Forancelli Pacheco, professora do Departamento de Biologia da UFSCar e coordenadora da pesquisa, foi uma das primeiras cientistas a estudar a Corumbella. Ela mostrou que o animal era dotado de um esqueleto resistente, mas não havia na época técnicas que pudessem determinar se esta era de origem orgânica ou mineral.
Os resultados do novo estudo revelaram que o animal não tinha o corpo todo tubular como se imaginava, mas provavelmente tinha uma base nesse formato e o restante com quatro lados atravessados por uma linha, como um poliedro. Essa forma associada a uma estrutura catafractária (“armadura) pode colocar em xeque as afinidades biológicas desse animal com outros existentes hoje.
A descoberta da Corumbella também traz novas informações sobre a evolução dos animais em geral. Acredita-se que a presença de predadores e a existência de cadeias alimentares mais complexas tenham sido fatores importantes na evolução dos animais.
Até então, acreditava-se que esses fatores só surgiram no período Cambriano, cerca de 30 milhões de anos depois do período Ediacarano em que a Corumbella viveu. No entanto, os resultados deste estudo indicam que essas características evolutivas já estavam presentes nesse período, o que significa que a evolução animal pode ter sido mais gradual e complexa do que se pensava anteriormente.
A descoberta da Corumbella também pode ajudar a entender a diversidade de formas de vida que existem hoje em dia. O fato de que um animal com uma estrutura tão única tenha existido há mais de 500 milhões de anos sugere que a evolução pode ter produzido uma ampla variedade de formas de vida, muitas das quais podem ter desaparecido sem deixar rastros fósseis.
Além disso, a descoberta é uma prova da importância da pesquisa científica em áreas como a paleontologia, que podem nos ajudar a entender melhor o mundo em que vivemos e nossa relação com outras formas de vida.