Estrelas com massa superior a aproximadamente oito vezes a do Sol terminam sua existência de algumas dezenas de milhões de anos com uma potente e luminosa explosão denominada supernova. Nesse evento, que marca o fim do processo de geração de energia por fusão nuclear, a estrela moribunda expele suas camadas mais externas e a matéria restante pode seguir dois caminhos. Se a massa total inicial da estrela for maior que a de 25 sóis, o núcleo inerte continua colapsando e vira um buraco negro. Se tiver entre 10 e 25 massas solares, o núcleo central sobrevive à explosão e forma um objeto composto apenas por um tipo de partícula: uma estrela de nêutrons.
Novos estudos sugerem que uma estrela de nêutrons de pequena massa pode ser um objeto ainda mais exótico, previsto na teoria, mas nunca observado de forma inequívoca: uma estrela composta de quarks soltos, um tipo de partícula elementar, indivisível, que é um constituinte fundamental da matéria. Artigo publicado por astrofísicos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do ABC (UFABC), na edição de abril da revista científica Astronomy & Astrophysics, aponta que a massa, o raio e a temperatura superficial do objeto compacto XMMU J173203.3−344518, o nome oficial da estrela, batem com os modelos teóricos que preveem a existência dessa classe de corpo celeste. Esses modelos usam a relatividade geral para inferir a gravitação e trabalham com diferentes cenários de resfriamento do núcleo das supernovas.
“Não afirmamos que se trata de uma estrela estranha, mas que seus parâmetros são compatíveis com essa categoria de objeto”, comenta o astrônomo Jorge Horvath, da USP, coordenador do grupo que fez o estudo. Estrela estranha é o nome técnico dado a um objeto remanescente de uma supernova formado por matéria estranha, que contém quarks, sobretudo os do tipo strange, não confinados no interior de partículas ordinárias. Todas as partículas classificadas como hádrons, das quais as mais estáveis são os prótons e os nêutrons, são compostas por pelo menos dois ou mais quarks mantidos unidos pela força nuclear forte. Há seis tipos ou sabores de quarks, cada um com carga elétrica e massa específica: up, down, strange, charm, bottom e top. Como as estrelas de nêutrons, as estranhas não emitem luz visível. A principal pista de sua existência são fortes emissões nas frequências de raios X, resquícios da atividade das supernovas que as originaram.
Na natureza, os quarks não devem existir soltos, estão aprisionados nas entranhas de prótons e nêutrons. Nos hipotéticos objetos celestes ainda menores e mais densos do que as estrelas de nêutrons, os quarks, sobretudo os do tipo strange, poderiam, no entanto, existir de forma isolada. “Em uma estrela estranha, os nêutrons teriam se dissolvido e gerado uma sopa de quarks”, explica Horvath. O principal argumento a favor da ideia de que o objeto compacto XMMU J173203.3−344518 pode ser constituído de matéria estranha é o valor revisado de sua massa, que, em um estudo publicado no final de 2022 no periódico Nature Astronomy, foi reduzido de 1,4 para 0,77 massa solar.
Apesar de esse cálculo incluir uma margem de erro estimada de cerca de 20%, uma massa de valor tão baixo é considerada incompatível com a formação de uma estrela de nêutrons. Segundo a teoria em vigor, corroborada por dados observacionais, esse tipo de astro não pode ter menos de 1,1 massa solar. “Um objeto com quase 0,8 massa solar pode ser uma estrela estranha ou até uma estrela de nêutrons. Mas, nesse segundo caso, seria uma estrela de nêutrons excepcionalmente leve, o que também seria algo muito interessante”, diz, em entrevista a Pesquisa FAPESP, o astrônomo russo Victor Doroshenko, da Universidade de Tübingen, na Alemanha, principal autor do estudo que recalculou a massa da estrela no ano passado. No trabalho, também o raio do objeto celeste foi revisado para apenas 10,4 quilômetros (km). O valor corrigido é bastante próximo do limite inferior desse parâmetro em estrelas de nêutrons, cujo raio varia de 10 a 20 km.
A atualização da massa e do raio da intrigante estrela deriva da retificação de sua distância da Terra. Com dados do Global Astrometric Interferometer for Astrophysics (Gaia), observatório espacial europeu que tem como objetivo criar o mais preciso mapa tridimensional da Via Láctea por meio da medição do brilho e da posição de 1 bilhão de estrelas, Doroshenko e seus colegas de Tübingen concluíram que a estrela está a 8.150 anos-luz da Terra, cerca de 20% mais perto do que cálculos anteriores indicavam. A correção da distância de um astro leva à revisão de outros parâmetros, como sua massa e raio. Depois do Sol, a estrela mais vizinha ao nosso planeta é Proxima Centauri, distante 4,2 anos-luz, cerca de 1.900 vezes mais perto do que a candidata a estrela estranha.
Segundo o físico nuclear Manuel Malheiro, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma das dificuldades para defender a eventual existência de estrelas de quarks é explicar o mecanismo de esfriamento de sua matéria. Quando explode, uma supernova atinge temperaturas da ordem de bilhões de kelvin (K). Nas estrelas de nêutrons, a temperatura superficial é de cerca de 1 milhão de K. Os modelos preveem que uma estrela estranha deveria ser muito mais fria do que isso. Mas, de acordo com as estimativas atuais, a XMMU J173203.3−344518 tem temperaturas de mais de 1 milhão de K. “Não sabemos explicar por que essa estrela, que teria entre 2 mil e 6 mil anos de vida, não se resfriou tão rapidamente como prevê a teoria”, comenta Malheiro. Os pesquisadores são unânimes em dizer que as dúvidas a respeito da existência de estrelas estranhas ou de quarks, que seriam ainda mais densas e estáveis que as de nêutrons, só serão dirimidas quando houver dados ainda mais precisos sobre o valor de sua massa e raio.