Um asteroide do tamanho de um prédio de 20 andares, que inicialmente aterrorizou cientistas com a possibilidade de colidir com a Terra, agora mira um alvo diferente: a Lua. O 2024 YR4, descoberto em dezembro de 2024, possui 4,3% de probabilidade de impactar o satélite natural em 22 de dezembro de 2032, um evento que seria o maior impacto lunar observado em cinco milênios e criaria consequências visíveis da Terra.
A descoberta do asteroide ocorreu de forma dramática. O sistema de telescópios ATLAS, localizado no Chile, detectou o objeto apenas dois dias após sua passagem mais próxima da Terra, quando ele emergiu do “ponto cego” criado pelo brilho solar. Inicialmente, os cálculos apontavam uma chance de 3,1% de colisão terrestre – a maior probabilidade de impacto já registrada para um asteroide, colocando o 2024 YR4 no topo da lista de monitoramento global.
Observações refinam trajetória e descartam risco terrestre
Observações subsequentes realizadas por telescópios terrestres e espaciais permitiram refinar significativamente a órbita do asteroide. O Telescópio Espacial James Webb, em março de 2025, forneceu medições cruciais que melhoraram a precisão orbital em 20%, confirmando que a Terra está completamente fora de perigo. “O YR4 é tão pequeno e tênue que conseguimos rastreá-lo por mais tempo com o James Webb do que com telescópios terrestres”, explicou Andy Rivkin, astrônomo do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins.
As dimensões exatas do asteroide foram determinadas através das observações do Webb: entre 53 e 67 metros de diâmetro, o equivalente a um edifício de 20 andares. “Tamanho é igual a energia”, observou Julien de Wit, professor do MIT que participou das observações. “Conhecer o tamanho do YR4 nos ajudou a entender o quão grande uma explosão poderia ser”.
Impacto lunar criaria espetáculo visível da Terra
Caso a colisão se confirme, o evento ocorreria no lado visível da Lua, aquele voltado para a Terra, criando um espetáculo astronômico único. O impacto geraria um clarão brilhante visível a olho nu por alguns segundos, seguido pela formação de uma cratera de aproximadamente 1 quilômetro de diâmetro – comparável à famosa Cratera do Meteoro no Arizona, Estados Unidos..
A energia liberada seria colossal: até 100 milhões de quilogramas de rochas e poeira lunar seriam ejetados para o espaço. Paul Wiegert, professor de astronomia da Universidade Western que lidera os estudos sobre o impacto, destaca que seria “o maior impacto lunar em 5.000 anos”. Sem atmosfera para conter os detritos, o material se espalharia pela superfície lunar e parte seria lançada para o espaço.
Riscos para satélites e infraestrutura espacial
As consequências do impacto se estenderiam muito além da Lua. Partículas de poeira lunar, variando de 0,1 a 10 milímetros, poderiam viajar pelo espaço em alta velocidade e atingir satélites terrestres essenciais para comunicação, navegação e monitoramento. “Elas viajam mais rápido que uma bala, então, se atingissem um satélite, poderiam causar danos”, alerta Wiegert.
Dan Oltrogge, cientista da Comspoc, enfatiza a importância da infraestrutura espacial: “O espaço afeta quase todos os aspectos de nossas vidas: comércio, comunicações, viagens, indústria, educação, redes sociais. Perder o acesso eficaz ao espaço representa um sério risco”. Centenas a milhares de impactos por detritos milimétricos poderiam afetar satélites em órbita, equivalendo a dez anos de exposição a meteoros em poucos dias.
Para a Terra, os riscos seriam mínimos. A atmosfera terrestre ofereceria proteção completa, reduzindo qualquer fragmento que chegasse ao planeta a objetos menores que “um cubo de açúcar”. O resultado seria uma intensa chuva de meteoros, espetacular mas inofensiva para a população.
Ameaças para futuras missões lunares
O possível impacto ganha relevância adicional considerando os planos de exploração lunar das próximas décadas. O programa Artemis da NASA planeja estabelecer uma presença humana permanente na Lua, enquanto China, Rússia e empresas privadas desenvolvem seus próprios projetos lunares. Detritos de algumas dezenas de centímetros poderiam representar riscos significativos para astronautas e estruturas construídas para pesquisa e habitação lunar.
A ausência de atmosfera na Lua significa que os fragmentos manteriam sua velocidade inicial, criando projéteis naturais capazes de perfurar equipamentos e habitats. Futuras bases lunares precisariam incorporar proteção contra detritos em seus projetos, uma consideração que não havia sido prioritária antes desta descoberta.
Expansão do conceito de defesa planetária
O caso do 2024 YR4 está forçando uma reavaliação do conceito de defesa planetária. Tradicionalmente, os esforços se concentravam exclusivamente na proteção da Terra contra impactos de asteroides. Agora, cientistas reconhecem a necessidade de expandir essa proteção para incluir a Lua e a infraestrutura espacial.
“Estamos começando a perceber que talvez seja necessário estender esse escudo um pouco mais”, disse Paul Wiegert. “Agora temos coisas para proteger um pouco mais longe da Terra, então nossa visão está, com sorte, se expandindo”.
A experiência com o 2024 YR4 também demonstra as limitações dos sistemas atuais de detecção. O asteroide foi descoberto apenas após passar pela Terra, oculto pelo brilho solar – um “ponto cego” que preocupa astrônomos. Telescópios futuros, como o NEOMIR da Agência Espacial Europeia e o NEO Surveyor da NASA, prometem reduzir essas zonas cegas.
Oportunidade científica única
Paradoxalmente, embora represente riscos, um impacto do 2024 YR4 ofereceria uma oportunidade científica extraordinária. Seria a primeira vez na era moderna que a humanidade poderia observar em tempo real uma colisão desta magnitude com um corpo celeste próximo.
Os dados coletados permitiriam estudar diretamente como a superfície lunar responde a impactos de alta energia, fornecendo informações valiosas sobre a composição do solo lunar e os processos de formação de crateras. Tais conhecimentos seriam fundamentais para o design de futuras estruturas lunares e para a compreensão da evolução do sistema Terra-Lua.
Próximos passos e monitoramento
O asteroide permanecerá fora do alcance dos telescópios até 2028, quando retornará à visibilidade e permitirá novas observações para refinar ainda mais os cálculos orbitais. Essa janela será crucial para determinar com precisão final se o impacto realmente ocorrerá.
Enquanto isso, a comunidade científica avalia se seria viável ou necessário lançar uma missão de deflexão, similar à bem-sucedida missão DART da NASA, que em 2022 alterou a órbita do asteroide Dimorphos. No entanto, desviar um asteroide da Lua apresenta desafios éticos e técnicos únicos, especialmente considerando que o impacto ofereceria valor científico inestimável.