Um novo estudo brasileiro reacende uma das maiores polêmicas da história religiosa ao sugerir que o Santo Sudário de Turim não foi formado pelo contato direto com um corpo humano. A pesquisa, conduzida pelo designer e especialista em reconstrução facial forense Cícero Moraes, indica que a famosa imagem no tecido de linho é mais compatível com a impressão de uma escultura em baixo-relevo do que com a marca deixada por um corpo real.
O trabalho, intitulado “Image Formation on the Holy Shroud—A Digital 3D Approach” e publicado em 30 de julho na revista científica Archaeometry, utilizou simulações digitais avançadas para investigar como a misteriosa imagem poderia ter sido criada. Moraes empregou softwares livres como MakeHuman, Blender e CloudCompare para criar dois modelos distintos: um corpo humano tridimensional e uma representação em baixo-relevo.
A metodologia consistiu em simular digitalmente como um tecido com as dimensões exatas do Sudário (4,4 metros de comprimento por 1,1 metro de largura) se comportaria ao entrar em contato com ambos os modelos. Os resultados foram reveladores. Quando o tecido virtual foi “envolvido” no corpo tridimensional, ocorreram distorções significativas que resultaram em uma figura mais robusta e alargada do que a observada no Sudário real. Esse fenômeno é conhecido como “efeito Máscara de Agamêmnon”, em referência ao artefato grego que apresenta características achatadas.
Por outro lado, quando o mesmo tecido foi aplicado ao modelo em baixo-relevo, o resultado mostrou proporções anatômicas muito mais precisas e uma semelhança visual notável com a imagem do Sudário. “As sobreposições visuais das texturas simuladas com a imagem do Sudário de Turim demonstraram que o padrão gerado pela matriz em baixo-relevo mostra um alinhamento morfológico muito superior”, explica o estudo.
Moraes, que possui experiência em modelagem 3D e anatomia, identificou várias incongruências na imagem do Sudário que sustentam sua teoria. “Quem trabalha com 3D e entende um pouco de anatomia, ao bater o olho na imagem do sudário, percebe algumas incongruências”, afirma o pesquisador. “Um dos braços era maior que o outro, os membros estavam excessivamente retos — e o corpo humano não é assim”.
O designer brasileiro observa que mesmo considerando possíveis distorções causadas por irregularidades no tecido, os desvios encontrados não correspondem a padrões anatômicos naturais. “O que encontramos é algo mais próximo de uma construção artística do que de uma representação fiel de um corpo”, conclui.
A pesquisa de Moraes se alinha com evidências históricas e científicas anteriores que questionam a autenticidade do Sudário como relíquia do século I. A primeira menção documentada da peça data de 1355, quando surgiu na cidade de Lirey, no norte da França. Curiosamente, apenas 34 anos depois, em 1389, o bispo local declarou que se tratava de uma falsificação e proibiu sua exposição.
O momento mais marcante do debate científico ocorreu em 1988, quando três laboratórios independentes realizaram testes de datação por carbono-14, situando a produção do tecido entre 1260 e 1390 d.C. — ou seja, na Idade Média. Análises mais recentes, publicadas em 2018, identificaram uma distribuição de respingos de sangue “totalmente irrealista” e confirmaram a desproporção nos braços da figura (um braço entre 7 e 10 centímetros mais longo que o outro).
O estudo sugere que o Sudário pode ter sido criado utilizando técnicas artísticas comuns na Europa medieval. Moraes observa semelhanças entre a imagem e a arte funerária produzida durante a Idade Média, período em que era comum retratar o corpo humano de maneira estilizada. Efígies esculpidas em túmulos medievais, por exemplo, costumavam exibir figuras com traços simétricos e rígidos, características também presentes no Santo Sudário.
“O Sudário me parece uma arte religiosa que foi bem-sucedida, porque, diferente da arte tumular — que geralmente vem com elementos escritos e verbais explicando quem era a pessoa que havia falecido —, ele é não verbal”, explica Moraes a revista Super. “Muitas informações acerca da pessoa que faleceu estão implícitas na imagem”.
A Igreja Católica nunca declarou oficialmente que o Sudário é autêntico, embora permita sua veneração como símbolo de fé. Para o Vaticano, trata-se de um objeto que pode inspirar reflexão sobre o sofrimento de Cristo, independentemente de sua origem exata. O pesquisador brasileiro reconhece esse valor simbólico: “Minha opinião sobre o Sudário é que, sim, é uma obra de arte religiosa muito bem-sucedida no seu papel de passar uma informação sobre uma figura, no caso, Jesus, os seus sofrimentos e tocar o coração daqueles que testemunham da fé”.
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